É normal e comum as pessoas esquecerem datas, nomes, rostos… No entanto, apagar de nossa mente uma dor emocional, experiências traumáticas já é outra história. Uma coisa é fato, o cérebro humano é uma máquina muito eficiente. Reprimir ou esconder o que causa sofrimento excessivo, é um mecanismo de defesa comum. Mesmo que a lembrança desse acontecimento doloroso não esteja diretamente presente na consciência, ele não deixa de ter efeitos sobre a nossa vida.
Ou seja, mesmo que essa agressão esteja “adormecida” no cérebro, o evento traumático ainda vai estar lá e acaba alterando a qualidade de vida dessa pessoa.
Afinal de contas, ninguém ou quase ninguém sai psicologicamente ileso desse tipo de experiência. A personalidade muda, há doenças psicossomáticas, a ansiedade é uma constante, bem como a irritabilidade, as alterações emocionais…e por ai vai.
Por durante vários anos, as pessoas guardam em suas memórias mais profundas os eventos traumáticos que não foram capazes de aceitar, compreender ou enfrentar naquele momento específico.
Esquecimento e trauma: como se relacionam?
Existem lembranças, que mesmo não terem sido boas mas também não terem se tornado traumáticas, veem em nossa mente, os cheiros nos trazem muito disso. É o que chamamos de memória afetiva. No entanto, quando essas lembranças traumáticas surgem, sejam por uma imagem, sensação ou um aroma, elas podem vir de forma fragmentada, difusa e desorganizada. Quando não se é capaz de compreender, processar e aceitar, ela acaba sendo encapsulada e escondendo atrás de uma cortina mental; uma cortina que esconde algo que a memória não consegue ver claramente. Desta maneira é possível afirmar que uma pessoa pode esquecer o que sofreu, embora haja nuances ao decorrer da vida.
Isso é um mecanismo de defesa, onde a memória se oculta de uma experiência específica, e damos a isso o nome de amnésia dissociativa ou psicogênica. Porém, vale destacar que a prevalência não é muito alta, e que ela aparece sobretudo nos casos de abusos sexuais durante a infância, bem como de traumas de guerra, desastres naturais…
Por muito tempo se duvidou de que as pessoas pudessem realmente esquecer um evento traumático. No entanto a neurociência vem nos mostrar que o cérebro sobre mudanças com o resultado dessas experiências, e que o processo de dissociação é real.
A amnésia dissociativa é um sintoma aceito pela comunidade científica e associado ao transtorno de estresse pós-traumático. Ela é listada como válida pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde 1980. Ou seja, há pessoas que se esquecem de um ato violento, mas esse trauma sempre afeta o seu comportamento.
Pessoas que passam por um evento violento experimentam mudanças cerebrais. As mudanças cerebrais demonstram esse fato. Estudos em pacientes que sofriam de amnésia dissociativa apresentaram baixa atividade na amígdala cerebral. Região esta que é responsável por modular o armazenamento ou a consolidação da memória, além de regular aspectos emocionais. O fato da atividade da amígdala ser reduzida, demonstra que houve um esforço do cérebro para bloquear essas memórias e reprimir as emoções associadas ao trauma.
Também se viu um desempenho ligeiramente inferior no córtex pré-frontal. Isso poderia explicar porque as mulheres que sofriam de amnésia dissociativa apresentavam dificuldade para resolver problemas, para manter a atenção, para planejar…
Como já vimos anteriormente, há vários gatilhos que podem abrir esse lado obscuro do cérebro, e trazer a toma essas memórias dolorosas. Eles são muitos, desde um flashback, uma conversa em família, cheiros, aromas, uma sensação ou simplesmente ao ler algo relacionado ao trauma. O problema nesses casos não é apenas a lembrança e sim o que vem com ela. Essas pessoas não só bloqueiam a memória, elas carregam consigo problemas psicológicos como por exemplo a depressão, ansiedade, distúrbios alimentares entre outros.
É importante salientar que, essas memórias, quando surgem, nem sempre são claras. Elas aparecem como um quebra cabeça confuso. Não é tão fácil assim dar coerência a elas, e pode até haver eventos falsos ou distorcidos combinados a ela.
Pedir ajuda, ajuda!
Enfim, caso você também tenha sofrido um trauma ou tenha a suspeita de que bloqueou alguma experiência traumática, não deves hesitar em procurar ajuda especializada. A terapia psicológica permite lembrar desses fatos, dando a eles espaço e presença para trabalhar essas emoções, esses pensamentos negativos e também os comportamentos desadaptativos.
O objetivo é recuperar o controle, curar as feridas do passado para viver o presente como se merece de fato. Uma fase traumática não precisa e nem deve determinar ou limitar a nossa vida.