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Compra e venda de veículos automotores sem a devida transferência: direitos e deveres

Giseli Cecconi

É fato comum alguém vender veículo automotor a outra pessoa ou revenda de automóveis, sem realizar a transferência imediatamente. Muitas vezes a venda é realizada “de boca” ou através de uma procuração, apenas. Porém, por mais que a venda nessa modalidade seja simples e rápida, muitas vezes o comprador não transfere o bem e com isso traz graves consequências para o vendedor, pessoa em nome de quem o veículo encontra-se registrado junto aos órgãos de trânsito (DETRAN), podendo gerar dívidas, multas e muitas dores de cabeça.

Ocorre que, quando a posse do veículo automotor é transmitida à outra pessoa, a responsabilidade pela transferência da titularidade do veículo junto ao órgão de trânsito competente é do comprador do bem (art. 123, §1º do CTB), o qual por estar na posse efetiva do carro deve providenciar os meios para a alteração formal, cumprindo as solicitações do ente, tais como, fornecimento de documentos, pagamento de taxas ou despesas e submissão à vistoria veicular, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de incorrer em infração de trânsito pela omissão em relação à prática das diligências necessárias à regularização.

Assim vem decidindo o Judiciário sobre o tema:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPVA. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO, NA FORMA DO ART. 134 DO CTB. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO GERA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO ANTIGO PROPRIETÁRIO, EM RELAÇÃO AO PERÍODO POSTERIOR À ALIENAÇÃO. PRECEDENTES. 1. De início, registra-se que, tendo o acórdão recorrido analisado a controvérsia com amparo no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, ainda que mencione a lei local, revela-se inaplicável o óbice da Súmula 280/STF. 2. A obrigação de expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade, prevista no art. 123, I, do CTB, é imposta ao proprietário  adquirente do veículo pois, em se tratando de bem móvel, a transferência da propriedade ocorre com a tradição. 3. A responsabilidade solidária prevista no art. 134 do CTB refere-se às penalidades (infrações de trânsito), não sendo possível interpretá-lo ampliativamente para criar responsabilidade tributária ao antigo proprietário, não prevista no CTN, em relação a imposto ou taxa incidente sobre veículo automotor, no que se refere ao período posterior à alienação. Precedentes. 4. Recurso Especial provido. (STJ – REsp: 1689032 SP 2017/0187551-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 05/10/2017, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017).

Em alguns casos, o veículo automotor poderá ficar passando de mão em mão, sem a devida transferência e gerando débitos. Porém, o primeiro comprador, mesmo que tenha repassado para outra pessoa também será responsabilizado, pois utilizou o veículo por um tempo, sendo que este como adquirente deveria ter procedido à transferência para seu nome. Ou seja, o repasse para outrem não lhe exime das responsabilidades.

Não obstante, caso haja a inscrição do nome do vendedor (proprietário que consta ainda o veículo automotor em seu nome) na fazenda estadual, o comprador indenizará o vendedor por danos morais o que devem ser reparados nos termos do art. 927 do CC, eis que presentes os requisitos do art. 186 também, da Lei Material Civil conforme decisão dos tribunais de Santa Catarina:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.FURTO DE VEÍCULO. BEM OBJETO DE CONTRATO DE SEGURO. PAGAMENTO DO PRÊMIOCONSTANTE NA APÓLICE E CONSEQUENTE FORMALIZAÇÃO BUROCRÁTICA ENTRESEGURADO E SEGURADORA OBJETIVANDO A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO. TRANSFERÊNCIA AINDA NÃO REALIZADA JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO.DÉBITO TRIBUTÁRIO. IPVA. É DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA EVENTUAISDÍVIDAS ADVINDAS E DECORRENTES DO LICENCIAMENTO DE VEÍCULO SINISTRADO,UMA VEZ IMPLEMENTADO E PAGO O PRÊMIO RELATIVO AO CONTRATO DE SEGURO,NOTADAMENTE PELO IPVA, COMO NO CASO CONCRETO, AINDA QUE NÃO CONSOLIDADAA TRANSFERÊNCIA NO DETRAN. EXEGESE DA LEI ESTADUAL N. 7.543/88. NÃOPAGAMENTO. INSCRIÇÃO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO EM DÍVIDA ATIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. PLEITO DE MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. POSSIBILIDADE. QUANTIA A SER FIXADA EM VALOR CONDIZENTE COM A JUSTAREPARAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PARÂMETROS BALIZADOS PELA PROPORCIONALIDADEE RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO” (TJSC, ApelaçãoCível n. 2009.035225-0, de Concórdia, rel. Des. Artur Jenichen Filho, Câmara EspecialRegional de Chapecó, j. 23-04-2013).

Portanto, na hora da venda por esta modalidade, seja precavido e fique sempre com cópias de todos os documentos, procuração, recibos etc., para caso não houver a transferência terá provas para ingressar com a AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER DECORRENTE DA NÃO TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO.

Caso tenha isso já ocorrido, procure seu advogado de confiança para ingressar com ação, que consistente em ordem judicial para o comprador providenciar a transferência da propriedade junto ao Detran e, ainda, assumir a responsabilidade pelas infrações de trânsito, multas e tributos inerentes ao veiculo, com data posterior à tradição, podendo-se ainda pleitear indenização pelos transtornos causados ao vendedor.